domingo, 31 de agosto de 2008

Máquinas? [3]

- Querido, precisamos conversar.

- Ué, mas nem está na hora do jogo, hehe. Pode falar.

- Sabe o Ricardão-Tron, aquele dróide alto e simpático lá do trabalho?

- Hm. Que tem? - Pois é... Ele fez um programa de você.

- Um progama de mim?!

- Sim, e tem duas versões. A versão 2A6, que junta dinheiro com spams na internet e paga as contas, convida pra jantar, encomenda flores daquela floricultura on-line e programa aquele vibrador que eu comprei outro dia. A versão FDS funciona em conjunto com a outra e é quando o programa fica assistindo o jogo e bebendo cerveja virtual.

- E qual a vantagem que ele tem sobre mim?

- Não suja o sofá.

sábado, 30 de agosto de 2008

Máquinas? [2]

- Ei, Bill, você abriu aqui o editor de texto?
- Não, não. Por quê?
- Ah, descobri o que foi. O sistema operacional ativou automaticamente aquela opção do editor, sabe?, que diz que ele pode ler e modificar meus textos. Então ele não gostou de algumas coisas que eu escrevi e tá reformulando.
- Acontece.
- E ainda tá dizendo aqui que eu escrevo mal. Cadê a gramática pra eu consultar?
- Tem aí a do sistema.
- Como fecho isso? Tá destruindo minha dissertação!
- Não fecha. E agradeça por ele não ter apagado seu texto. Aliás, hehe, deixa pra lá.

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

Máquinas? [1]

- Bom dia, senhor. Posso ajudar?
- Er, licença, eu tava procurando uma atendente.
- O senhor pode resolver comigo, senhor.
- Não, não, eu quero uma atendente.
- Eu sou a AEEV-2R14; fui programada para desempenhar essa função. Em que posso ajudar o senhor?
- Eu quero comprar um liquidificador... mas isso não vem ao caso! Eu quero falar com uma atendente.
- Senhor, isso não será possível. Eu fui designada para os atendimentos dessa área. E a última atendente que passou por aqui morreu há 62 anos. Que marca o senhor quer?
- Quais tem? Digo, cê não tá ajudando!
- Nós temos a linha Lique-Feito inteira em promoção, está com 2% no débito.
- Quantas velocidades? Ah, merda! Você não está entendendo.... e é óbvio que não está entendendo! Eu quero o calor humano de uma mulher!
- Mas eu tenho QI 120 e esse coração de plástico!

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Um Bilhete


Voltava apressado para casa, correndo no meio da rua como se fosse tirar o pai da forca – aliás, estava indo tirar o pai da forca. Recebera um telefonema do pai enquanto estava no trabalho.
“Vou me matar”
Não questionou motivos – não tinha tempo – nem parou pra se perguntar se era verdade – vai que era – simplesmente pulou da cadeira chutou tudo no caminho e começou a correr para tirar o pai da forca. Seu pai tinha uma predileção por forcas. Em jantares em família sempre comentava alegremente que se fosse se matar se enforcaria; dizia que um suicídio por enforcamento era uma obra de arte: não só você tinha um método eficaz de cessar a atividade cerebral como ainda tinha toda aquela coisa do impacto visual: chegar em casa e ver o cadáver de um parente se balançando na penumbra inerte com os olhos arregalados. Ninguém precisa de Goya com um enforcado por perto. “Se parente meu se enforcasse” ele dizia “eu deixava o cadáver lá, pincelava formol e passava bom-ar todo dia de manhã”.
Ele se imaginou fazendo tudo isso enquanto corria pela avenida, e começou a pensar se seu pai combinava com um quadro que tinha na sala, e que se ele tivesse se enforcado no quarto ia ter que mudar ele de lugar. Depois se lembrou que ia tirar o pai da forca, não decorar a casa.
Chegando lá seu pai tinha se enforcado (no quarto), e preso em suas mãos no seu rigor mortis estava um bilhete. O bilhete, escrito com o próprio sangue do pai, dizia, em letras grandes:

BOINA

“Porréisso, taquepariu”, pensou. Seu pai nunca usou uma (pelo menos não que ele lembrasse), nem teve uma em casa, nem nunca falou sobre elas, e sempre preferiu cartolas. O que era meio ridículo. Leu de novo.

BOINA

Intrigado, saiu para passear num parque ali perto. O que aquela palavra queria dizer? Por que seu último pensamento antes de se tornar uma obra de arte foi o de uma peça de vestuário? Por que ele se matou? Ontem mesmo ele estava tão feliz conversando sobre o novo cilindro de cera da orquestra de jazz de Harry Raderman. Talvez ele não tenha gostado. Ou talvez o cilindro tenha derretido. Talvez a orquestra não tenha um trombonista – instrumento preferido de seu pai. Pensou em tudo isso, mas não chegou a um consenso, não chegou a se conformar, não chegou a compreender, não conseguiu parar de repassar mentalmente o bilhete com o último pensamento de seu pai.

BOINA

Então compreendeu. Foi à Riachuelo, comprou uma boina e colocou-a na cabeça do pai morto, mudou o corpo do quarto para a sala e a obra de arte estava completa, finalizada com o acessório no alto de sua cabeça pálida. Constatou alegremente que combinava com o quadro.

Parabéns a Matteo Ciacchi, vencedor da V Competição Literária do Sarau! Parabéns também aos demais parcipantes pelos excelentes contos!

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

A vida do homem-carrinho


A luz é obnubilada pela sujeira grafite. O concreto, com sua aspereza máxima, reflete mais concreto como uma sala de espelhos grotesca que tenta inutilmente mostrar uma prosperidade que não existe. No meio disso, meio que perdido, há um homem e um carrinho; fundidos num só, o homem-carrinho que encontramos aleatoriamente disposto entre paredões, veículos selvagens e cardumes de gente, espreme-se por oxigênio. Mas o homem-carrinho só pode ser pequeno demais, já que consegue escapar de Mão Enorme - ainda assim, muitos o vêem. Tudo controlando com mão de ferro, Mão Enorme possui dedos extremamente compridos que fazem cumprir Sua vontade - ainda assim, o homem-carrinho passa por entre eles. O homem-carrinho não segue as vontades; ele simplesmente é e simplesmente faz como se não existissem; Mão Enorme acaba com milhares como ele, mas não com ele, não agora. Mão Enorme nunca verdadeiramente conseguirá alcançar todos, e a vida do homem-carrinho - com suas práticas e a de outros como ele, fura e deixará sangrar até a morte os quase-tentáculos de Mão Enorme, o que certamente levará tempo demais, além da vida desse homem-carrinho. Outra coisa poderia ser feita - deixar-se acolher pela frialdade da palma, por exemplo; mas o homem-carrinho, com um um sorriso estampado na face que ele remove à medida que o dia cai junto com o suor, está no lugar de sempre: lá se vende um pouquinho de anarquia a cada mordida (ou somente um sujo e saboroso cachorro-quente).

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Sobre saudade

"A saudade te deixa com fome. Fome daquele sorriso. Dos abraços silenciosos. Das mãos cúmplices. Dos olhares ternos. De ficar vendo o outro dormir. Dos beijos. Da cabeça encostada no peito; do barulho do coração batendo." - Clarissa Corrêa

Eu preciso de você por inteiro, sentir o celular vibrando e escutar a música especial que é unicamente sua e, esperar que chame umas quatro vezes para que você pense que eu não quero atender, para só então dar-te um “alô” como quem não quer nada e ao mesmo tempo deseja tudo. E ficar ali, conversando – quem sabe marcando alguma coisa.

Eu preciso sentir teu cheiro, é dele que eu tenho saudade. Não exatamente de você, mas da sensação que tenho quando fico ao teu lado, da vontade de ficar pra sempre dentro do abraço apertado que você me dá.

E eu sinto falta do teu olhar apertado, da tua boca pequena e das palavras sussurradas aos poucos, sem medo. Da nossa vontade de olhar um para o outro, parece até necessidade, de ficar “olhos-nos-olhos” e esquecer das estrelas, do vento, de tudo. Sinestesia? É, quando eu consigo sentir tuas palavras e teu olhar penetrante, o teu sorriso é, na verdade, conseqüência disso tudo.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Considerações em torno do ato de estudar


Todo livro tem uma intenção fundamental de quem o elabora que é o desejo de despertar em quem ler o interesse pelo tema abordado de maneira que facilite, assim, o aprendizado. Entretanto, a relação entre o estudo-aprendizado é mais uma relação de interesse e do despertar deste nos leitores do que apenas a leitura pura e seca; já que, se assim for, a bibliografia tornar-se-á inútil.

A observação dos títulos citados ou a leitura só com olhos deixa a desejar, pois quem recebe o que foi escrito deve tê-lo como uma fonte de pesquisa e de desafio. Pesquisa porque ele é a fonte primária de onde nascem os interesses para busca de outros títulos que apresentem o mesmo tema só que abordado de maneira diferente. Desafio porque quem estuda sente-se desafiado a apropriar-se de seu significado.

O ato de estudar não está apenas em responder questionamentos, fazer resumos e leituras, mas sim em apresentar uma postura crítica sobre todos os temas estudados, pois só assim o conteúdo é fixado com idéias próprias e não copiadas. A disciplina intelectual que é exigida no estudo só se ganha praticando.

Esse princípio de deixar o estudante livre à críticas e pronto para montar sua própria resposta é o contrário do que a “educação bancária” estimula, já que esta mata a curiosidade e não propõe crítica, mas sim um conhecimento “ctrl C, ctrl v”, diminuindo o papel do individuo frente aos textos, disciplinando-os para a ingenuidade. Na “educação bancária” o estudo torna-se mecânico porque o que é pedido não é a compreensão do conteúdo, mas sim sua memorização.

Então, o estudo que desafia não deixa o estudante magnetizado às palavras do autor, ele não é uma “vasilha” que guarda apenas as palavras do autor. Quem estuda seriamente, recria, reinventa, reescreve. A atitude crítica do estudo deve assemelhar-se a da realidade, pois nela o sujeito deve adentrar-se de maneira a tornar o que é estudo lúcido.

Nesse universo, os livros são mediadores dos indivíduos com o mundo, expressam as idéias e criam novas; E esse é o ponto fundamental, o molde do pensamento para que este nasça livre e com o propósito de criar um novo.

Outro fato interessante é a junca da teoria com a prática visto que a teoria pura funciona apenas como conhecimento mecânico – e com isso volta-se para uma educação bancária. O instrumento da prática possibilita a percepção e a união das idéias em torno da realidade e, assim, capacita o individuo a fazer questionamentos e participar destes enriquecendo a todos.

Frente à realidade o individuo deve ter um estudo de uma bibliografia a cerca do tema abordado para que, junto a outros que também tenham, possa jogar as idéias e uni-las formando um pensamento concreto e, o mais importante, com fundamentos. Para que as idéias retiradas da teoria sejam postas em prática de maneira clara e correta, deve-se estabelecer uma discussão com o autor do texto, ou seja, uma interação crítica feita durante a leitura.

E, lembrar-se de que desde outros tempos foi dito em relação ao ato de estudar, a humildade que se faz necessária para tal. Se não devemos nos sentir diminuídos ou envergonhados para com o conhecimento apresentado nos textos, também não é coerente sentirmos maiores. O entendimento nem sempre acontece rapidamente, mas se o fizer devemos ver nisso apenas o prazer de saber um pouco mais do assunto e não achar que alcançamos um patamar mais elevado apenas pelo rápido entendimento de algo.

“Estudar não é um ato de consumir idéias, mas de criá-las e recriá-las.”

FREIRE, P. R. N. Considerações em torno do ato de estudar. IN: Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 5. Ed. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1981.

sábado, 23 de agosto de 2008

Abraços e Beijing 2008




"Gente,

Pequim ou Beijing 2008? Nisso eu também sou brasileiro: me viro somente com o meu
português. A língua chinesa é original, verdadeira demais para ser falsificada por
mim... Menos ainda eu conheço a Revolução Comunista Chinesa, há 50 anos. Eu sei o que
todo mundo sabe sobre a China: 1,3 bilhão de habitantes, todos parecem comer arroz e a
muralha. Nem sei se são recomendáveis os meios que levaram à conquista de tantas
medalhas pelo país sede das Olimpíadas 2008.

Basta o exemplo do Brasil de JK pra cá, cheio de Bossa Nova, os 50 anos nossos. A gente
olha o quadro de medalhas olímpicas, tentando fugir da lanterninha, e tenho certeza de
que precisamos vencer primeiro os nossos piores adversários, dentro de casa, em todos
os segmentos, no jogo político público e privado. Aqui no Brasil não tem essa tática
política de jogar renunciando ao tradicional personalismo, que se empanturra de
vaidade, e de que provêm a frouxidão das instituições e a falta de coesão social.

Querida delegação brasileira - inclusive o nadador Cielo Filho, que por merecida
alegria chora - , quer um conselho; arrume a mala, agradeça a oportunidade de tentar o
ideal de um verdadeiro negócio da China, e vamos acertar as contas aqui em casa. Nas
horas vagas, pelo meu gosto, que tal um pouquinho de Bossa Nova, nos seus 50 anos entre
sensual, suave e bravíssimo...? Ou, como dizem os meus amigos íntimos João Gilberto (o
cara na interpretação!), Tom Jobim e Vinícius de Moraes em Chega de Saudade: “Abraços e
beijinhos / E carinhos sem ter fim / Que é pra acabar com esse negócio / De viver longe
de mim...”. Em Pequim ou Beijing.

Abraços e beijinhos. A gente vê por aqui.

Gentilmente,

E T para os íntimos, e bem íntimos."



Texto fornecido por um colaborador anônimo.

sexta-feira, 22 de agosto de 2008

V Competição Literária do Sarau

Para não dizer que o Sarau não adota critérios democráticos, dessa vez o critério é Boina. Os participantes, entre três palavras, votaram e elegeram a palavra boina, que, nos contos dos autores, deve aparecer exatamente quatro vezes. O texto vencedor será postado na próxima quinta (28/08). Os participantes dessa vez são:

1 . Caio Bruno;
2 . Franco Stéfano;
3 . Ludmila Magroski;
4 . Marina Maia; e
5 . Matteo Ciacchi.

Criatividade a todos!

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

Tanto Amar

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita
Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Tá chamando pra luta, aflita
Metade quer madrugar
Na bodeguita
Se os seus olhos eu vou cantar
Um seu olho me atura
E o outro vai desmanchar
Toda a pintura

Ela pode rodopiar e
Mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra
É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro


(...)

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Não é?

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A orelha

De todos os órgãos do corpo, a orelha é o única cuja forma ultrapassa a função. Todos os outros órgãos têm a forma adequada à sua finalidade - mais da metade das curvas e nichos da orelha são desnecessárias. São, portanto, puro exibicionismo. A complexidade interna do ouvido - seus labirintos e artelhos - se justifica. Nada justifica as viravoltas externas da orelha, as falsas entradas, os cornichos, as cavernas, desafios à logica e ao cotonete. Alguns órgãos do corpo chegam ao barroco, só a orelha dá o passo fatal, que acabou com o Renascimento, para o rococó. A orelha denuncia uma perigosa tendência latente na criação para o excesso, para a forma pela forma, para o ornamentalismo vazio. Achei que devia fazer este alerta.

Veríssimo, Luis F. - Mais comédias para se ler na escola, pág. 109

terça-feira, 19 de agosto de 2008

Scattered

Olha, meu caro senhor, desculpe incomodar, mas o senhor tá vendo aquelas caixas ali? Não? Elas estão lá. Parece que só eu as vejo mesmo. Noutro dia eu tava atravessando a ponte, olhei pro horizonte e vi uma caixa. Assim, meio branca, transparente, dava pra ver o conteúdo, que me parecia colorido. Então eu fui pra caixa e vi outro trabalho. Cheguei em caixa, casa. Olhava para a varanda da minha sala-quarto-cozinha no primeiro andar do prédio e tudo o que via eram caixas. Caixas pra todo lado. Se empilhando, ou jogadas, de cabeça pra baixo. Perguntei a todos que via - quando minha vista me permitia alternar visões de caixas - de onde vinham, porque lá estavam. Mas todos diziam que eu só podia estar louco. Hoje não discordo. Deixe-me agora pagar a conta a esse gentil homem-caixa. Preciso ir. Sim, depois eu entendi. Essas caixas, meu bom bêbado, são as em que, toda noite, involuntariamente, deposito a saudade que acumulo de cada dia - em todo último minuto da noite e todo primeiro minuto da manhã elas me escorrem dos olhos e caem, espalhadas e espatifadas, em qualquer lugar. Eu que falo sou caixa aberta do meu eu hoje que pranteia até momentos que não foram, foram, mas não foram, e também que hão de ser.

segunda-feira, 18 de agosto de 2008

Contos de uma Sala de Aula I


Estavam os alunos e um professor na sala de aula, a discutir acaloradamente sobre as mazelas do processo educativo.

- ... E então, quando vocês tiram notas baixas, e a culpa é de quem? Dos professores, é claro!

- Mas é claro, professor. Vocês que têm de possuir a capacidade de levar a turma ao sucesso!


- Obrigado por me considerar uma mistura de Jesus com Super-Homem.

Então, do fundo da sala, um aluno proferiu:

- Mas como o senhor pode ser uma mistura de duas coisas que nunca existiram?


[Vou tentar transformar isto numa série. Sempre que puder, posto um desses "causos" de sala de aula por aqui.]

domingo, 17 de agosto de 2008

Conclusão Lógica

Veja veja veja veja veja
Al veja al veja al veja al veja
Em veja em veja em veja em veja
Inveja
veja veja inveja
Me veja veja veja me
A vej a vej a vej a vej
Ru inveja ru inveja ru inveja
Inveja de ru inveja
Veja ruim.

(Se até a poesia concreta demonstra...)

sábado, 16 de agosto de 2008

A necessidade de reconhecimento do outro

O direito de cada um termina onde o do vizinho começa. Certamente não foi baseado nesse princípio que o Novo Mundo foi colonizado pelo Velho Continente. Mas é baseado num princípio de filosofia da história que afirmo que a lógica de funcionamento de todo sistema social enquadrado numa era difere completamente de outro somente por estar num contexto de outra era; e vivendo hoje numa era da vitória da democracia liberal, princípios kantianos e direitos humanos, não deveríamos cogitar o genocídio cultural. Se é função do Estado Logístico [1], além de outras coisas, que os acordos sejam cumpridos, voltamos ao primeiro princípio desse texto. Sendo assim, já não estamos sós: passa a nos ser obrigatório conhecer os limites dos direitos alheios - que, em conjunto, definirão o nosso próprio.

Cada ser vive, contudo, em busca de satisfação própria; não se pode nem deve crer que se possa viver em busca de um ideal de satisfação geral. Até a busca pela concretização do comunismo como ele é pra ser é uma busca de cada um por todos, mas, novamente, de cada um pra si, no sentido de que esse sistema visa a propiciar a cada um tudo aquilo que lhe é necessário e lhe apraz, permitindo a todos - mas principalmente a cada um - que possam ser quem são de fato. E não é esse, afinal, o princípio e o fim da existência em sociedade, garantir que possamos, individualmente, viver melhor e ter mais acesso ao conjunto das nossas satisfações? Para isso, vivemos num universo de concessões: só podemos ter ou fazer ou ser algo se deixarmos isso ou aquilo de lado.

Os tempos são de razão, ainda que positiva. Não cabe aqui julgar, cada um pode - e não seria mal que o fizesse - conceber suas idéias de justiça, contanto que não a execute por sobre as justiças alheias. É assim que a idéia de justiça - bem como outras idéias que permeiam, mesmo que não de maneira clara, a nossa (con)vivência - deixa de ser teoria (universal em essência e prática; visa ao bem geral; positivo) e vira conceito (particular; vinculado a um meio; assumidamente visando ao bem desse meio)[2]. A existência e, talvez e principalmente, o embate entre teorias e uniões de conceitos é inevitável, e útil no sentido de produzir conhecimento voltado para a prática. Assim, não é aceitável para a Lógica[3] que alguém, em busca de um ideal que é seu, dizendo-o maior e universal, romantizado, busque a realização dessa proposta, porque ela inevitavelmente passará por cima de outras propostas. As forças sociais respondem negativamente a toda tentativa similar. Idealizaram o Contrato Social, em que cada indivíduo cede direitos pela esperança de receber o que ele precisa de volta; e é o Estado, beneficiado das cessões de cada um, quem vai definir, em cada caso, o que é teoria, o que é conceito individual e o que é conceito de Estado, sendo a diferença entre os dois que o de Estado, por supostamente representar a sociedade, vale para todos e consegue abranger todo o universo do contexto em que foi produzido, e o individual, se fugir aos ditames do outro, é passível de punição.

Considerando o que já foi dito, não podemos falar que vivemos plenamente em sociedade ou plenamente em estado natural; esses são apenas - o que já é muito - dois níveis de análise; e, tomando um pouco de cada, somos seres aparentemente onipotentes, mas que, posto dessa maneira, dependemos da onipotência alheia - e que ambas estão sobre a onipotência real do Estado. Não é mais somente questão de força - na Lógica, somos aparentementes detentores de poder semelhante-, mas passa a ser uma questão de legitimidade, o que requer, antes de tudo, que respeitemos a questão do espaço de atuação de cada força[4]. Requer também, em seguida, que os demais poderes (demais pessoas; também representam o Estado) concordem com o que se propõe fazer (ou tenham concordado previamente). Deve-se lembrar que cada vez em que se legitima um ato, perde-se espaço no espaço de atuação do poder próprio, o que é feito em busca de um bem maior - a satisfação própria.

Tendo tudo isso em vista, o que sobra para cada um? Não tanto, mas o interesse inicial - o da auto-satisfação - permanece inteiro. Podemos dizer, então, que caminhar nesse sentido pode tornar-se uma corrida num campo minado no sentido de que é uma estrada que se deve seguir com bastante cautela; fica comparável a um jogo de xadrez pelo que requer de estratégia e concentração. Jogamos com essas forças - dos indivíduos que definem nosso direito, com a sociedade como um todo e como o Estado, força acima de tudo. Um ser que busca a plenitude própria não pode deixar de agir com ponderação e capacidade crítico-reflexiva porque ele está em constante clima de ameaça com as forças que o cercam - já que ele também contribui para definir os limites das outras forças - para poder aproveitar da melhor maneira possível o seu campo de possibilidades. Por fim, neste raciocínio, a Lógica não aceita exceções: tudo aquilo que foge ao que é estabelecido será posto à margem dos bens proporcionados pela vida em sociedade / sob um Estado. As forças sociais garantem que aquele que se marginalizar dos mecanismos sociais inevitavelmente perderá.

Fazendo rápida menção a outro ponto de vista, que também devemos tratar não como total, único ou certo, e sim como nível de análise, e se entendêssemos que nós, realmente, não nos sentimos atraídos por todas essas propostas? É algo que nos é passado desde a educação primária - saber se encaixar na sociedade para aproveitar o que ela tem a oferecer, ou que não o fazer nos traria prejuízos. É um raciocínio que se reproduz e enraíza. Percebe-se que a base de conhecimento de cada um advém da infância: desde o contato que tem com os pais até a influência (não absoluta) do meio em que viveu; se não fosse, entretanto, esse contato, o que seríamos? Como as duas meninas que, jogadas na selva, criadas no meio lupino, passaram a comportar-se como lobas. Podemos, também, então, dizer que vivemos em sociedade porque é a partir dela que não viramos um um com o mundo natural, e podemos passar a nos distinguir de maneira tripla: do meio natural, da sociedade e de nós mesmos, que passamos a ser capazes de nos reconhecer e repensar. A proposta, à medida que vamos envelhecendo, é que aumentemos esses graus de diferenciação, em movimentos especializadores, de modo a que aumenta, também, a nossa definição partindo da definição dos outros, em que tomamos para nós elementos dos vários outros para que sejamos um só. Nessa perspectiva, definimo-nos nos outros, ao menos parte de nossos traços, por interesse - que poderíamos até caracterizar como fetiche.

Para exemplificar, voltemos ao caso da colonização européia da América Latina. Isso será, em algum grau de intensidade, um processo de desconstrução de uma idéia que se defendeu até agora - o que me faz reforçar a idéia da não-completude de cada teoria, mas no seu bom encaixe como nível de análise - : não há, na verdade, um maniqueísmo em nenhum dos pares antitéticos levantados anteriormente; um se define e se completa no outro. Na historiografia, costuma se falar em uma sociedade conquistadora, marcada pelo massacre, e outra, indígena, marcada pelo sangue do sacrifício. Para esta, era aceitável fazer um sacrifício diário de um ser humano para que o sol nascesse no outro dia, o que é uma prática (reiterada) de reafirmação dessa sociedade específica enquanto diferente das outras. Para aquela, fazer sacrifícios para deuses era uma monstruosidade (auto-definição pela diferenciação), mas cometer genocídios físicos (matar pessoas) e genocídios culturais nos diversos povos (reafirmação) era o aceitável, o normal. Ainda assim, mesmo que não vejamos, nas narrativas tradicionais, nenhuma história de português que tenha passado a adorar Tupã, são inúmeras as histórias de europeus que largaram o que tinham pra tentar a vida na América Latina, sentindo-se atraídos pelo que a "nova" terra tinha a oferecer e chegaram a ajudar na criação de nações, aprendendo o idioma local e interagindo com os indígenas, como o caso de Inés de Suarez. No outro sentido, também os americanos (nascidos na América) que se interessavam pelo bens, pelos animais, enfim, pelo novo. É um jogo de sedução que tem mão-dupla. Dessa forma, passa a ser do interesse individual o relacionamento com o outro porque isso traz coisas novas para as partes. E, ainda no exemplo dado, são discursos de laços fortes que se repetem, de europeus que manifestam pulsante vontade de vir à América Latina (se) conhecer.

De maneira similar a tudo o que foi demonstado, funciona o jogo de relações entre os Estados. Consideramos apenas que os níveis de análise (chamemos de imagens) passam a ser o de anarquia e sociedade internacional e que não são regidos por um órgão supraestatal[5]mas concessões são feitas entre os Estados para a criação de normas de direitos humanos, direito internacional e o bom funcionamento de influentes organizações internacionais (sem querer mencionar o Conselho de Segurança da ONU). As teorias procuram fundamentar aspectos que deveriam funcionar para todas as realidades, e os conceitos são os formuladores de políticas exteriores e externas; os Estados têm de respeitar os acordos firmados e, enquanto soberanos interna e externamente, têm, teoricamente, o mesmo peso em decisões, de modo a que um não possa se sobrepor aos conceitos dos outros. Tendo todos esses percalços em vista, a diplomacia - que falta nas relações interpessoais - existe pra ,entre outras coisas, diminuir os atritos do lado do seu país-mãe (que ajuda a definir quem ele próprio é). Os Estados precisam fazer planos pela busca dos seus interesses que levem em consideração todos os outros Estados, que ajudam a definir seu próprio espaço de atuação. Que nem a Rússia, que não considerou a soberania (garantia de autonomia) da Geórgia, e dos EUA, que aspiram à delegacia do mundo. E do mesmo modo que atuam as forças sociais para punir os que fogem ao sistema, todos os Estados com pretensões hegemônicas começam a juntar inimigos demais, o que, inevitavelmente, levaria a seu fim. É por isso que dizem que todo império perecerá. É isso.



[1] Estado Logístico é, dentro do paradigma neoliberal, aquele que não funciona exatamente como um welfare state, gerenciando mais fortemente e provendo serviços, mas aquele que deve conduzir (auxiliar) a sociedade na busca de seus interesses e satisfação, o que justifica, dentro dessa corrente, a existência de um Estado que não seja nem mínimo nem interventor demais.
[2] A existência e, talvez e principalmente, o embate entre teorias e uniões de conceitos é inevitável, e útil no sentido de produzir conhecimento voltado para a prática.
[3] Entende-se Lógica, com a maiúscula alegorizante, nesse texto, como a lógica de funcionamento do atual sistema.
[4]Devemos entender espaço de atuação de cada força como a amplitude do direito de cada um.
[5] Essas relações interestatais estariam, no equivalente humano, na fase de organização social anterior à criação de um Estado, já que estão ainda engatinhando, de tão jovens (têm como marco inicial o ano de 1648).

sexta-feira, 15 de agosto de 2008

Benkyo Suru*



No Japão existem três alfabetos. São chamados de Hiragana, Katakana e Kanji.

O Hiragana e o Katakana são alfabetos auxiliares. O primeiro é usado para se escrever de forma fácil em japonês, enquanto o segundo serve para palavras estrangeiras e onomatopéias. A construção deles é ,em sua maioria, silábica(os símbolos representam sílabas) e cada sinal possui apenas o som da sílaba correspondente. Juntos, eles possuem algo em torno de noventa símbolos.

Já o Kanji, proveniente da China, é um alfabeto simbólico. Então os ideogramas possuem uma tendência a serem muito mais complexos. Existe mais de um modo de leitura, e dependendo do contexto, e de outros tantos fatores, palavras escritas de modo diferente podem ter sons iguais, ou o inverso, já que a maioria dos símbolos possui mais de um fonema associado.

O Kanji possui cerca de cinco mil símbolos.

O alfabeto usado no Brasil é constituído de vinte e seis letras.

Pense numa sala de alfabetização. Lá estão a professora e os alunos. Aqui no Brasil, eles reclamam que é difícil escrever e decorar o que significa cada letra. No Japão também fazem isso, só que o número de ideogramas a decorar (considerando apenas o Hiragana e o Katakana) é quatro vezes maior. Fora que a representação gráfica que a nossa.

Vamos um pouco adiante, para o Ensino Fundamental e o Ensino Médio no sistema [educacional] brasileiro. E visível que nossos governantes acharam uma boa idéia que mesmo tirando notas longe da meta necessária para a aprovação, os alunos, praticamente analfabetos, devem seguir para a próxima série. No Japão, o ingresso em cada etapa de ensino é feito por meio de uma prova. É como se eles fizessem o nosso vestibular, mas alguns anos antes. As melhores escolas pegam apenas as melhores notas, e não tem acordo. Em cada prova é exigido o conhecimento sobre um certo número de Kanjis, e se você não souber, está fora.

É importante frisar que lá, desde 1947, são obrigatórios a Educação Infantil e o Ensino Fundamental.

O ingresso no Ensino Superior de lá é um dos mais competitivos do mundo. Até seu tipo sangüíneo conta nessa hora. E, mesmo com todo este rigor, em 2005 75,9% dos formandos cursaram universidade ou um curso de valor similar. No Brasil, em vários cursos sobram vagas, outros são lotados. E com tudo isso, cria-se um sistema de cotas para que os já citados analfabetos criados pelo nosso sistema de ensino público ingressem em um curso superior.

Além disto, um último dado. Chineses, Japoneses e Coreanos possuem, segundo pesquisas, a média de Quociente de Inteligência(Q.I.), mais alta da humanidade: 105.O Brasil possui o mediano valor de 87.

Será que alguém consegue ver onde está a diferença? Não é na genética, não é no alfabeto, e nem sequer nas escolas em si.

É algo mais fundamental: "Laissez faire, laissez passer"**


* "Estudar", em japonês.

** "Deixai fazer, deixai passar.", em francês.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Mais algumas linhas

Breve crônica da hora do improviso

istribuem-se olhares e caretas; os corpos, prum lado e pro outro; a cabeça pende e os lábios gemem sorrisos. Os pés brincam com o chão: com o corpo - assim que se goza a música.









Outra dA Noite

A noite é uma criança. Que grita a noite inteira. Que esperneia. Que, só pra ver se durmo hoje, nas últimas horas eu fiz questão de dopar com todas as drogas.

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Evolução



"14 de outubro de 2022
'Por conveniência', era sempre o que respondiam. Após um tempo, motivos especiais deixaram de existir. Sim, virou moda. Os médicos não reclamam, sempre cedem ao dinheiro. A lista de pedidos aumentou. Filas chegam aos hospitais para serem atendidas. Nossa profissão tornou-se uma das mais cruéis.
...
25 de setembro de 2023
Encontrei-me com um caso peculiar. Um casal na faixa dos 20 anos, como é de costume, exigiu que o trabalho fosse feito por mim. Não hesitei, claro, mas até que gostaria de evitar. Entretanto, algo saiu estranho. O feto possuía formatos esquisitos, tudo estava fora de seu devido lugar, indicando uma mutação. O casal sentiu-se aliviado com o sucesso, ignorando a ex-vida.
...
18 de janeiro de 2025
Os finais de semana estão mais intensos. Mal pude parar hoje. Foi necessário criar seções separadas apenas para o tratamento de estupros e desnutrições, assim poderíamos solucionar todos os casos. Há semanas que não faço um único parto, como tantas outras amigas. Os abortos também diminuíram.
...
12 de dezembro de 2025
Não tive acesso a nenhum parto. Abortos também cessaram. Não sei como reagiria ao encarar uma criança. Boatos dizem que as mulheres não estão podendo ter filhos, mas são apenas boatos."

Acima encontra-se trechos do diário de uma enfermeira. Nós nos adaptamos às conveniências. Alguns teóricos dizem que a freqüência de abortos fez com que nossos organismos passassem a rejeitar qualquer tipo de gestação. Outros culpam a alimentação de conserva, moda dos últimos tempos. Há quem culpe os estupradores. No dia 25 de Dezembro de 2030, a humanidade discute a sua extinção.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Pedaços

O deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo havia desaparecido há 14 horas. Testemunhas alegam tê-lo visto sendo seqüestrado por um sujeito descrito apenas como engraçado ou diferente, que o colocara num Opala enferrujado. O motivo aparente era perseguição política. Havia se iniciado uma pesada operação policial encarregada pela procura do deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo. Eis que senão, de madrugada, já nas saídas da cidade, uma patrulha pára um Opala velho como o descrito. O encarregado se aproxima do vidro do carro, forçado a parar, acende a lanterna e olha para o motorista. Bigode mal-feito, cabelos esbranquiçados, rosto fino e muito descuido.
- Boa noite.
- Boa, seu policial.
- Esse carro é seu?
- É sim, senhor.
O policial iluminou o espaço atrás, que era coberto com alguns mantos igualmente velhos.
- Tá transportando o quê?
- É fruta.
- Fruta? Uma hora dessas?
Fez que iria investigar para testar o homem, que prontamente se mostrou contrário e nervoso.
- Qu'é que o senhor vai fazer?
- Vou abrir a porta de trás do carro.
Ele saiu do carro. Encarou o policial. Pôs as mãos no bolso. Tentou impedir que a porta de trás fosse aberta posicionando seu corpo em frente ao trinco enquanto conversava. O guarda o afastou e abriu a porta.
- Encoste as mãos no carro e não se mova.
Foi levemente retirando os panos. Retirou o primeiro trapo devagar. Uma caixa de isopor velha. Abriu-a. Surpreendeu-se ao achar nada mais que morangos. Morangos? Recolocou no lugar a caixa. Puxou outro dos panos a esconder o volume. Uma caixa de madeira mal fechada. Abriu-a. Já não tão surpreso, encontrou bananas. Outro pano; outra caixa: laranjas. Pano; caixa: maçãs. O homem ria. Puxou rapidamente um pano e retirou mais uma caixa, arremessando-a, irritado, para fora do carro. Foi verificar o conteúdo. Acerolas, que fez questão de pisotear. Droga! Nem drogas? Tirou os tapetes, arrancou parte do estofado, molas, a mala, espaços dentro do motor, a roda. Nem maconha? Nem importados ilegais? Procurou em cada canto que pôde. Até no homem. Ele ria, ria freneticamente, um riso que alternava entre agudo e grave numa composição verdeiramente incomum.
Não podia ser. Por que ele ria? Por que se recusara a cooperar se não escondia nada? Provou as frutas. Não eram frescas, mas também não aparentavam portar contaminação. Checou a documentação, a identidade, a placa; nenhum problema que poderia culpar o senhor que coçava a barba grande que reunia um histórico de várias refeições. Não era o melhor sujeito, mas não podia ser dito um sujeito errado. Deixou que o homem tirasse as mãos do carro. Alinhou-o, coluna e pescoço, e olhou com um ar da insatisfação do médico que diagnostica errado. Recuou um pouco e, com mais vontade que força, atingiu na barriga o homem, que cambaleou, e depois chutou-lhe as pernas, para que caísse.
Os outros guardas observaram à toda a cena impassíveis. O homem cuspiu sangue e, com um sorriso amarelado, acendeu um cigarro, reuniu o que havia para ser reunido daquilo que ele transportava, subiu no carro e foi embora.
O deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo continuou sumido. Acontece que o policial era normal demais. Acontece que ninguém acredita mais no poder de essência de frutas e serras de osso. Acontece que hoje ninguém mais acredita no poder de um bom feiticeiro, cuja praticidade faz lembrar, ainda que distante, um pouco do Magaiver que reside em toda coisa inusitada de pessoas inventivas. E o homem ri até hoje lembrando da cena.

domingo, 10 de agosto de 2008

De onde vem a lâmpada?


Criatividade [De criativo + -(i)dade.] - Substantivo feminino.
1.Qualidade de criativo. 2.Capacidade criadora; engenho, inventividade. 3.E. Ling. Capacidade que tem um falante nativo de criar e compreender um número ilimitado de sentenças em sua língua.

É através desse poder de inventar que moldamos o nosso dia, a nossa vida. O mais interessante da criatividade é a palavra em si, pois muitas pessoas têm o ato de criar apenas ligado a arte como pintura, literatura, música, etc. esquecendo, assim, que a vida é arte e precisa de criatividade. Muitas vezes esse “esquecimento” ocorre devido à cultura e a educação que tal individuo recebeu, sendo assim, resta ao próprio ter interesse para inventar a sua vida. A criatividade do ser humano é um recurso poderoso que é liberado de acordo com as posses disponíveis e as características do veículo de expressão.

Estudos mostram que não existe uma área específica do cérebro que trata da criatividade, ela está em todo o cérebro porque no processo de criar algo primeiro vem o interesse e depois a preparação para só em seguida começar a fase de incubação – que pode levar à iluminação, ou não – e, por último, a aplicação. Com todas essas atividades o cérebro vai recebendo estímulos em áreas diversificadas que se comunicam através de um sistema de redes. O momento em que recebemos um insight – momento de iluminação – é de alegria, exaltação e dedicação, é o instante da criação no qual agimos com perseverança para verificarmos a viabilidade da idéia na pratica e executá-la, ou não. A criatividade do ser humano é um recurso poderoso que é liberado de acordo com as posses disponíveis e as características do veículo de expressão.

De onde vem a lâmpada? É um questionamento interessante e que é, algumas raras vezes, feito em relação à lâmpada que está sempre associada a idéias. A eletricidade está presente em diferentes magnitudes, desde os raios e trovões até as pequenas lâmpadas, o que acontece é que o fenômeno é o mesmo só que visto em suas diversas formas. A criatividade se processa da mesma maneira, já que todos produzem energia criativa alguns a apresentam de maneira gigantesca e outros de maneira discreta. O importante é que a energia e a capacidade são as mesmas, apenas distribuídas de formas diferentes.

É interessante a maneira que a criatividade atua nas pessoas, a originalidade pode ocorrer através de um “estímulo”, ou seja, de algo que alguém já fez ou falou ou até mesmo sem “estímulo”, nasce de forma espontânea. É a liberdade de pensamento que se torna essencial nesse ponto de produção.

Einstein disse: “O dom da imaginação foi mais importante para mim do que a minha capacidade de assimilar conhecimentos.” E ele tem razão, pois o fato de assimilar conhecimento, por exemplo, pode tornar-se mais fácil depois que se imaginou, criativamente, uma forma mais prática de estudo para determinada matéria. Pessoas que imaginam e que se deixam criar são mais entusiasmadas, empreendedoras, persistentes, perseverantes, autodisciplinadas e gostam de manter-se atualizadas. Talvez seja por esse motivo que muitas empresas têm grande interesse em programas que estimulem os funcionários à criatividade, fazendo com que a empresa mude.

Uma característica que não se pode esquecer presentes nas pessoas criativas é a irrequietação, a tendência de ver sempre os objetos de maneira diferentes, transformar as utilidades, solucionar os desafios da vida.

A porcentagem de criatividade independe do sexo, ou seja, ninguém é mais criativo porque é homem ou mulher, tudo depende de como a criatividade foi desenvolvida – o que, deixa claro que a criatividade é como a razão para Kant, existe independente de sexo, idade, cor, etc., mas precisa ser desenvolvida.

sábado, 9 de agosto de 2008

Sobre o Capitalismo

Capital dos Bilionários
"... Além de contribuir para melhorar a qualidade de vida da população em geral, o desenvolvimento econômico provocou uma multiplicação no número de magnatas que fizeram fortuna com trabalho honesto. Yuri Zhukv e Kirill Pisarev são jovens empresários, ambos com menos de 40 anos, que souberam tirar proveito do desempenho econômico do país nos últimos anos. Eles são sócios em uma construtora de imóveis residenciais, a PIK, empresa que abriu seu capital na bolsa de valores em 2007. Espanta pensar que há apenas duas décadas a maioria dos moscovitas morava em kommunalkas, apartamentos comunitários divididos por duas ou mais famílias. Nos mercados, filas enormes disputavam os poucos produtos disponíveis. Viva o capitalismo.
- Retirado de Veja, Edição 2072 - Ano 41 - nº 21, 6 de Agosto de 2008, Editora Abril


Criança africana, vivendo na miséria alastrada pelo seu continente. Fruto de séculos de exploração em busca de mão-de-obra escrava e recursos naturais.

Viva!

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Novidades no Sarau

Pra não deixar de começar divagando, eu acho engraçado como são as comemorações do mundo capitalista ocidental judaico-cristão. Nessa onda de Dia dos Pais sempre as lojas vomitam promoções - sales, e outro dia desses eu até fui dar uma olhada numa que, de tão boa, mais parecia uma mãe - paradoxo?. Agradei-me de algo e decidi comprá-lo - um desses itens que, nessa época, ganha os pais como público-alvo exclusivo. Cheguei na fila e a moça, sorridente, sem saber porque, olhou pra mim e perguntou: "O senhor é pai?", ao que eu prontamente respondi: "Sou pai de muitas idéias". Ela sorriu novamente - ainda sem saber porque - e recolheu meu dinheiro. Eu saí pensando, "de fato!". Logo depois fiquei puto; não deu cinco minutos pra que eu percebesse que nenhuma das minhas concebidas já tinha ever me dado um presente de dia dos Pais.

***

Chegando ao assunto de hoje, é com muita satisfação que o Sarau Filosófico Gourmet dá as boas vindas aos novos seres que integram o grupo de pensadores do blogue. Passarão, pois, a postar, de modo a que o Sarau seja, antes de tudo, um sarau. A convivência de mais membros, a exposição de suas letras e idéias em coro ou contraste vão iluminar as noites, que continuarão servidas ao sempre bom tom Gourmet e às ingadações essencialmente Filosóficas. Os leitores passarão a desfrutar das perspicácias e peripécias de Engel, Neuromancer e Zeenoopsico.
Ainda assim,
***

E pra não deixar de falar, há uma entre essas petições online que realmente merecem um cantinho aqui no Sarau (http://www.petitiononline.com/veto2008/). Colarei um trecho da própria, assim se tem uma idéia melhor. E quem tiver interesse, pode assinar no endereço dado.

"Um projeto de Lei do Senado brasileiro quer bloquear as práticas criativas e atacar a Internet, enrijecendo todas as convenções do direito autoral. O Substitutivo do Senador Eduardo Azeredo quer bloquear o uso de redes P2P, quer liquidar com o avanço das redes de conexão abertas (Wi-Fi) e quer exigir que todos os provedores de acesso à Internet se tornem delatores de seus usuários, colocando cada um como provável criminoso. É o reino da suspeita, do medo e da quebra da neutralidade da rede. Caso o projeto Substitutivo do Senador Azeredo seja aprovado, milhares de internautas serão transformados, de um dia para outro, em criminosos. Dezenas de atividades criativas serão consideradas criminosas pelo artigo 285-B do projeto em questão. Esse projeto é uma séria ameaça à diversidade da rede, às possibilidades recombinantes, além de instaurar o medo e a vigilância. Se, como diz o projeto de lei, é crime "obter ou transferir dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização ou em desconformidade à autorização, do legítimo titular, quando exigida", não podemos mais fazer nada na rede. O simples ato de acessar um site já seria um crime por "cópia sem pedir autorização" na memória "viva" (RAM) temporária do computador. Deveríamos considerar todos os browsers ilegais por criarem caches de páginas sem pedir autorização, e sem mesmo avisar aos mais comum dos usuários que eles estão copiando. Citar um trecho de uma matéria de um jornal ou outra publicação on-line em um blog, também seria crime. O projeto, se aprovado, colocaria a prática do "blogging" na ilegalidade, bem como as máquinas de busca, já que elas copiam trechos de sites e blogs sem pedir autorização de ninguém!"

***

Pra finalizar e deixar o leitor um pouco pensativo, aí vai uma imagem.


quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Database das igrejas, ou da audição divina


- Ei, que diabos é aquilo?
- Uma pregação ao ar livre.
- Varei...e Deus tá apelando assim?
- Não, o infeliz é quem tá apelando por Deus.
- Ah... e essa gritaria toda daquele povo?
- Vai ver que eles acham Deus meio surdo.
- Haha... nunca são atendidos, né? Mas e toda a onipotência dele?
- Pois é, deve ser a velhice, coitado.
- Hm... E além do mais, não deve existir aparelho auditivo no céu, e se houver, deve ser muito caro.
- Mas acho que dinheiro não seria problema, né? Cada "universo" gera um absurdo.
- Vai ver as transações tão difíceis, atualmente, já não fazem profetas como antigamente.
- Já sei, vou montar um banco de dados e um sistema para as igrejas informatizarem os negócios com Deus.
- Deve dar certo! Pelo menos ele já é acostumado com o Orkut.

quarta-feira, 6 de agosto de 2008

Entrevista

- Então você veio aqui pra entrevista do emprego?

- Sim, sim.

- E esse aqui é o seu currículo?
- Sim, doutor.

- Seu currículo é impressionante... E... Tem uma coisa aqui... Doze anos na cadeia?

- Pois é, doutor.

- Ditadura?

- Nada, doutor. É que eu era muito parecido com um vizinho lá do bairro que matou 30. Aí me pegaram sem documento e aí já viu, né? Fui condenado a 30 anos. Cumpri 16. É que acharam lá o outro cara, o culpado. Mas até eu arranjar adevogado pra sair foi um suplício.

- Como foi sua experiência lá?

- Ah, doutor! Lá dentro eu aprendi muito. Aprendi a conviver com muita gente, a dividir o quarto, a sorrir pros guarda e pros doutor e a assaltar grupos de pessoas e lanchonetes. É que tem gente que pensa que é fácil, mas não é, não. Ah!, aprendi também a negociar - eles chamam de extorquir, né?

- E aqui não tem dizendo: você queria vaga pra quê mesmo?

- Auxiliar de assistente executivo do terceiro secretário do assistente admnisitrativo do tesoureiro particular do Deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo.

- O emprego é seu, parabéns!



***


- Oi, eu...

- ... veio aqui pra entrevista do emprego. Parabéns, o emprego é seu!
- Mas eu já trabalho aqui faz 10 anos!

- ... É que... sabe como é, né? As famílias do Deputado Doutor Feliciano Octávio Augusto da Cunha Menezes Alves Segundo, a minha, a do Roberval, a do Carlão, a do Ricardo, a do Jorge e até a do Seu Zé ali do pastel já tão empregadas. E sabe como é, né? Aqui é coração de mãe, sempre cabe mais um.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Orkut de deus

- Amor, vamos pra Universal?
- Universal? Fazer...?
- Ué... Levantar a mão e perguntar ao pastor onde está Deus!
- Mas, amor, você sabe que eles terão argumentos suficientes (pelo menos para eles) para provar que Deus está ali e em todo lugar.
- Mas a gente diz que não está vendo.
- Vão ficar irritados.
- Mas estaríamos usando nossa liberdade de expressão.
- Não! Se essa liberdade ofendesse algum dos advogados, juízes, médicos ou promotores que a sustentam, acabaríamos presos.
- É... deixa pra lá. Deus é um fake, né?
- Fake?
- Sim! Aqueles do orkut, sabe?
- Ah! É Verdade! Nomes estranhos, comunidades bizarras (tipo Sacrifício de Primogênitos) e além do mais, só tem foto de ator de terceira categoria: bonitão, cabelão loiro e olhos verdes.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008

Livros de história

Numa realidade paralela, o pai chama a criança, que corre até ele.
- Tomou a lição direitinho hoje, meu filho?
- Tomei, papai! Hoje eu aprendi uma frase nova na escola!
- Que bom, meu filho! Que frase foi?
- "O rato roeu a roupa do papa"!
- Ué, na minha época era do Rei de Roma.
- Mas e não dá no mesmo?

domingo, 3 de agosto de 2008

Bioética - Três questões emergentes

Destinação de recursos a pesquisas

Observa-se a concentração das pesquisas em áreas mais rentáveis para grandes empresas farmacêuticas e de biotecnologia. Para os terceiromundistas, o problema torna-se ainda maior: cientistas, médicos e organizações não-governamentais reclamam da falta de interesse econômico na cura das doenças típicas desses países, enquanto outras linhas de pesquisa, ditas de áreas privilegiadas, recebem a verba. Também afetam os países desenvolvidos a legitimidade da destinação: questiona-se se, de fato, as áreas beneficiadas são necessariamente as de maior interesse ou bem coletivo. Coloca-se, então, o Estado e sua obrigação de promover a igualdade dos serviços de saúde, com respaldo no princípio bioético da justiça e na própria constituição.

Manipulação de células germinativas humanas

A dificuldade em convergir opiniões sobre quando é o início da vida (se com a nidação, se com o desenvolvimento dos órgãos, se com o surgimento de um sistema cognitivo), ou seja, de separar o que é aglomerado de células e o que é um ser vivo, leva o Estado a, de acordo com o sistema de valores vigente, direcionar suas políticas. Nos EUA, por exemplo, os não-nascidos não são considerados vida, assim como os embriões congelados, na Inglaterra, enquanto na Alemanha consideram a vida a partir da fecundação. As discussões giram em torno da definição de vida – sendo, nesse caso, possuidores de direitos – em contraste com células totipotenciais com potencialidade de se converter em humano se e somente se num útero e da potencial comercialização – já prevista nos princípios bioéticos.

O caso do cristianismo

Diversos autores, entre eles White, Amerx, Kabe e Cobb, atribuem ao cristianismo uma essência depredadora, irreconciliável com qualquer preocupação ética e meio-ambiental. Os autores afirmam que ser cristão e manifestar uma atitude responsável perante o meio-ambiente é evidência de não se haver compreendido o sentido da fé, afirmam os autores. Segundo Gafo, é possível, mesmo com os antecedentes históricos da relação humana com a natureza, fundamentar uma ética ecológica cristã, se, ao mandamento “dominai a Terra”, acrescentarmos “e guardai e cultivai o jardim”, e se considerarmos a manutenção do estado da natureza como um dever de solidariedade com os humildes. Segundo Sariego, estando-se de acordo com uma visão ou com outra, é certo que ambas se mantêm firme ao antropocentrismo cristão, mas sendo um antropocentrismo diferente, humilde, que se separa dos nobres e responsabiliza o homem como único ser consciente de sua obrigação moral com o destino do dom da vida. No aspecto prático, vemos correntes cristãs não-católicas que chegam a defender o uso de células-tronco por serem favoráveis, em toda instância, à vida. Sariego coloca, ainda, o processo de “cristianização cultural” do mundo grego-latino levando a um duplo sistema de valores, o que facilitou a Igreja, da medieval à moderna, até certo ponto, em sua luta pelo poder, notável até hoje pela sua opinião forte e influenciável. Quando a aprovação da lei de biossegurança foi divulgada, a CNBB ( Conferência Nacional do Bispos do Brasil) apresentou uma nota a 29 de maio lamentando a decisão do STF (ver Anexo 2), o que produziu alguma repercussão

sábado, 2 de agosto de 2008

Bioética - Princípios e políticas públicas


Na Nova Ciência Política, de enfoque terceiromundista, a ética constitui um substrato necessário em especial para a formação de políticas públicas. Em conseqüência, as relacionadas com a ética da vida adquirem uma relevância maior, porque seu objeto transcende aos agora considerados como tais. As novas realidades obrigam os estudiosos a trabalharem com duas ciências de níveis diferentes: o caráter tecnológico da Ciência Política, que remete ao final do século XX, e a globalidade filosófica da bioética (Fung, 2004).


Para aqueles que advogam por uma Ciência Política alternativa, assumir a bioética como ética da vida assume um espaço de excepcional importância, porque não seria possível pautar comportamentos e cenários políticos sem levar em conta a relação da propriedade privada e pública e a existência da vida (a); o papel dos Estados na destruição dos patrimônios estruturais e da sustentabilidade para a biodiversidade e sociodiversidade (b); os direitos humanos e ambientais à ampliação da sua reprodução (c); e os considerados princípios da bioética (d). Estes podem ser internos, conhecidos como fundamentais, (beneficência, autonomia, não-maleficência ou sacralidade da vida humana e justiça) ou externos (pluralismo, tolerância, responsabilidade social, e, novamente, justiça). Estes últimos são, para Garrafa, os pilares da bioética no mundo atual; os primeiros, por outro lado, são de grande importância para a elaboração de políticas públicas, motivo pelo qual serão mais abordados neste trabalho. O princípio da beneficência, no tocante às pesquisas científicas, seria aplicado sempre em benefício da sociedade, dos seres, em não os fazer sofrer de forma desnecessária em pesquisas; o princípio da autonomia refere-se à capacidade de autogoverno do homem, de tomar suas próprias decisões, de o cientista saber ponderar, avaliar e decidir sobre qual método será utilizado para atingir os fins desejados da pesquisa; por outro lado, também, o centro das decisões deve deixar de ser o cientista ou o médico, e passar a ser do binômio médico-paciente, relativizando as relações entre os sujeitos participantes; já o princípio da sacralidade da vida a considera como inviolável e que não se justifica o sofrimento e a dor desnecessários e a imputação de um ônus superior ao que a pessoa possa suportar, ainda que por decisão sua; e, por fim, o princípio da justiça refere-se à distribuição justa e eqüitativa dos recursos financeiros e técnicos da atividade científica e dos serviços de saúde. No caso das células-tronco e demais questões referentes aos desenvolvimentos da crescente área da biogenética, outros princípios bioéticos estão sendo construídos, que seriam, por exemplo, a não comercialização de órgãos humanos, a gratuidade geral na doação de materiais para toda atividade científica, a oposição ao comércio de embriões. Todas essas são considerações que devem estar encaixadas dentro de políticas públicas, mas faz-se essencial ressaltar a subjetividade desses princípios, impossibilitando reduzir os julgamentos a dados frios, concretos, pois a própria essência dos princípios citados já é subjetiva por si. Para Sariego (2004), a Ciência Política de hoje, partindo de qualquer âmbito ou enfoque para se produzir, e, de um modo ou de outro, tenderá a assumir os valores bioéticos, que mudarão a ética das suas relações.


Durante a Modernidade, recorrentemente se aceitou que a luta pelo poder, sua manutenção e exercício não podiam se subordinar a um ideal ético sem tender a uma utopia irrealizável (Sariego, 2004). Por outro lado, tem-se o Estado como concretização da classe dominante, que impõe um sistema de valores – não podemos caracterizar, então, a política moderna como value free. Nesse sentido, é o Estado, e, por ele, entendem-se a classe dominante e seus interesses – sejam eles equivalentes ou não aos da maioria –, que vai determinar o objeto dado como empecilho ou auxílio, interessante ou desinteressante. Vê-se, qualquer que seja o posicionamento de cada Estado, a natureza ascendendo de meio a fim moral.

sexta-feira, 1 de agosto de 2008

Bioética - Conceito e origem


Bioética – ou, como preferem alguns autores, ética global – é, segundo Reich, o “estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada sob a ótica dos valores e princípios morais” (Pessini, 1996), e tem se tornado questão de cada vez maior relevância no âmbito do homem e da ciência. Uma vez que foi desenvolvida por médicos, filósofos e cientistas, o principal fator a ser considerado pela bioética é o homem; essa concepção, porém, tente a descer aos novos rumos científicos e ser mais inclusiva com relação ao seu objeto. O termo surge com Potter (1970), que o usou para expressar a relação da ética com a ciência, a tecnologia e os processos econômicos e sociais. Como um dos fundamentadores da bioética, o autor considera: “que tipo de futuro temos adiante? Temos opção? Por conseguinte, a bioética virou uma disciplina que guiará a humanidade ao futuro”.

Com as mudanças tecnológicas, novos mecanismos de exigência social do cumprimento dos valores começam a se desenvolver, e são criados novos códigos de conduta, que têm dupla função: tranqüilizar a sociedade, que se vê respeitada e segura, e orientar os médicos e cientistas, que já não precisariam se preocupar com o aspecto ético de suas pesquisas, sendo obrigados a reavaliar constantemente os conceitos subjetivos do que é anti-ético e imoral. Apesar de inicialmente ter sido desenvolvida por profissionais da área médica para debater temas polêmicos como aborto e eutanásia, atualmente a disciplina aborda uma variedade muito maior de assuntos, como, e talvez principalmente, os avanços da engenharia genética, colocando em voga os limites éticos da pesquisa científica. Dessa maneira, acompanhando também as mudanças tecnológicas, a bioética propõe diversas questões e sugere diversas respostas. Assim posto, o biodireito se coloca como instrumento moralizador da ciência.

No século XX, quando nasce a disciplina, além das consideráveis revoluções técnico-científicas, o exponencial desenvolvimento da física subatômica e da biologia molecular permitem ao homem uma compreensão absolutamente maior dos mecanismos naturais. Mais fortemente a partir daí, o homem, a fim de contribuir para o aumento da qualidade de vida, acabada intervindo decisivamente na destruição do meio-ambiente, e, com isso, na sua própria. Para esse problema, Francis Capra sugere a adoção de modelos ecoéticos para as ciências; a primeira manifestação do surgimento de uma nova consciência foi a crise moral dos físicos, que, na década de 1950, protagonizaram um movimento que exigia a proibição do manuseio nuclear para fins bélicos e levantavam as conseqüências do seu uso indiscriminado (Sariego, 2004). Já se fala, nas últimas décadas, de maneira similar, tomando como referência o progresso científico da biologia molecular e seu impacto ao meio-ambiente e a tecnologias associadas a ele, em um processo de conscientização semelhante por parte dos estudiosos dessa área. Enquanto a ética dita pré-moderna, majoritariamente, era tida como uma disciplina ligada ao presente, possuía uma visão imediatista, por assim dizer, com a bioética, nota-se um grande avanço nesse aspecto: a nova ética considera e se preocupa com a terceira geração.